Flor Branca

daffodil light

Você me estendeu a mão e pediu: “Voa comigo?”. Naquele momento nem notei o absurdo que aquilo deveria ter soado, simplesmente não me importei. Sem pensar duas vezes, segurei sua mão delicada e subi aos céus com você.

Era um sonho, é claro, mas eu não tinha consciência disso. Acreditei cegamente que estava a quilômetros de altura, sentindo o vento frio em meu rosto e as nuvens se desmanchando conforme as atravessávamos. Lá embaixo, via os campos bastante verdes, as florestas enormes que se perdiam no horizonte e um rio e seus afluentes correndo para desaguar no infinito. Uma intensa e estranha nostalgia me invadiu, como se eu sentisse falta de lugares, formas e sons que eu amava, mas que há séculos haviam sumido.

Ao meu lado você voava em silêncio, sem em nenhum momento soltar minha mão. Seus olhos azuis como o fundo do oceano transbordavam tristeza; seus longuíssimos cabelos castanhos como folhas de outono balançavam lentamente como se tivessem perdido a vontade de viver; e sua pele, branca e fria como a neve do topo de uma montanha, transmitia a sensação de que alguma doença muito séria estava se desenvolvendo e consumindo suas forças. Tentei falar algo para lhe confortar, mas tudo o que me vinha à mente eu sabia que era ilusão.  Lá embaixo, o cenário se alterava rapidamente.

Rios negros de petróleo sólido se alastravam por todos os lados. Luzes artificiais insultavam a Lua, que já não mais conseguia reinar no céu noturno como outrora, em que era adorada e temida como uma deusa. Fumaça contaminava o ar. Lixo destruía a terra e a água. O fogo ardia como nunca, numa cólera incontrolável completamente diferente de quando fora criado. Os quatro elementos se perdiam em meio ao caos e uma vida desfigurada se proliferava, mas o que mais se via eram doenças e morte.

Repentinamente, senti uma tontura muito forte. Queria descer, deitar no chão e chorar por tudo de bom no mundo que estava desvanecendo. Não aguentava mais ver aquela beleza sendo consumida furiosamente pela ganância humana, que destruía tudo apenas para satisfazer seu desejo de se sentir no poder. Você me olhou complacente, como se entendesse em detalhes a dor que eu sentia, e fez-nos parar em pleno ar. Olhou-me intensamente enquanto descíamos, o peso da minha consciência de alguma forma se apaziguando.

Ao tocar o chão escuro de terra queimada e sem vida com meus pés descalços, você me soltou e começou a caminhar para longe. Seu vestido simples esvoaçava ao sabor da brisa que nos atingia ali, e naquela hora percebi que você era a mulher mais linda que jamais vi. Depois de alguns passos você parou, ajoelhou-se e pegou um punhado daquela terra morta. Em seu rosto uma lágrima escorreu e caiu em sua mão, fazendo a terra que você segurava mudar imediatamente. Uma pequena flor brotou, tão branca quanto a sua pele, e você a devolveu ao solo, que também começou a se transformar. Novamente o verde surgiu e se espalhou, não por um espaço muito grande, mas o suficiente para me fazer sorrir novamente e sentir alguma esperança. Olhei ao redor espantado, vendo diversas árvores crescendo quase instantaneamente, uma nascente de rio surgindo ao longe e a água límpida começando a correr rapidamente. Eu estava estupefato com o que você havia feito, mas quando me virei novamente em sua direção, havia apenas a flor branca e nada mais.

Eu sabia, porém, que você continuava ali comigo e em todos os lugares. Deitei-me no chão, sentindo a grama em minhas costas, o cheiro das árvores e o som do rio. Fechei os olhos e percebi que havia encontrado a única resposta para a única pergunta realmente importante para a existência humana e de toda forma de vida. Aquele lugar, naquele sonho, era a própria resposta, e uma serenidade infinita tomou conta de mim.

Nunca mais precisei acordar.

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