Dez de Março

Remembering

Este é um texto que há meses eu queria escrever, mas deixei guardado numa gaveta em minha mente e já estava acumulando poeira quando finalmente resolvi torná-lo real, em vista de fatos recentes que aconteceram na cidade onde moro e estão particularmente relacionados a ele. É em parte um relato de algo bem sério que aconteceu comigo no início do ano, em parte uma crítica a vários setores dessa sociedade em que vivemos – especificamente o da segurança pública.

Você lembra o que estava fazendo no dia 10 de março de 2011? Pois esse foi um dia que dificilmente esquecerei. Eu estava em meu carro – um celta prata, 4 portas, placa NHO 2908 (para o caso de alguém encontrar ele por aí…) – e chegando em casa, por volta das 22:15h. A rua estava completamente escura, sem nenhuma luz nos postes. Havia faltado energia à tarde e, por algum motivo, só havia retornado às residências, não às ruas. Como de costume, buzinei para alguém abrir o portão da garagem. Meu irmão, falando ao celular, veio, abriu e voltou para dentro da casa. Assim que terminei de colocar o carro, meu sangue gelou: um bandido havia entrado furtivamente junto comigo e surgiu em pé bem ao lado da minha janela, com um revólver apontado para mim.

Rapidamente, ele abriu a porta do carro, me mandou sair e olhar para o chão (por esse motivo, não sei exatamente quantos assaltantes entraram em minha casa, mas acredito que tenham sido 3 ou 4). Um dos comparsas fechou o portão da garagem enquanto outro revistou meus bolsos, retirando meu celular, carteira e chaves. O líder da quadrilha, que me abordou inicialmente e ficou com o braço esquerdo em torno do meu pescoço e o revólver o tempo todo apontado para a minha cabeça, perguntou quantas pessoas estavam em casa e se mais alguém iria chegar. Eu disse que só morava com meu irmão e minha mãe, e que ambos estavam em casa.

Ele entrou comigo e me levou até o quarto da minha mãe, onde ela estava (nunca esquecerei a expressão de medo no rosto dela no momento em que percebeu o que estava acontecendo…) e mandou-a ir até a “cozinha de apoio” que tem na casa, onde meu irmão já se encontrava na hora do assalto (por sorte, ele terminou de falar ao celular no momento em que me levaram para dentro, pois os bandidos poderiam ter pensado que ele estava chamando a polícia). O líder ainda  exigiu que nos deitássemos no chão, com os rostos para baixo, enquanto roubavam tudo o que podiam: a televisão do meu quarto, meu notebook (juntamente com um HD externo que eu tinha), o playstation 2 do meu irmão e várias camisas de time originais que ele colecionava. Depois de alguns minutos, um deles me puxou e me carregou novamente para o quarto da minha mãe, o tempo todo com o revólver na minha cabeça, e mandou que eu mostrasse onde estavam os “10 mil” (ou seja, queria saber se tínhamos dinheiro guardado em casa). Eu não sabia dizer, mas por sorte ele encontrou no guarda-roupa uma câmera digital da minha mãe e mais de 500 reais em dinheiro, depois disso me empurrando de volta para a cozinha. Que eu me recordo, também roubaram todos os nossos celulares e até mesmo perfumes e desodorantes (bandidos vaidosos esses, não?).

Várias vezes algum deles veio até onde nós estávamos e disse para ficarmos calados, pois não fariam nada conosco se permanecêssemos quietos. Depois de uns 10 minutos, que mais pareceram 1 hora, um deles veio perguntar se preferíamos que eles deixassem as portas da casa trancadas ou não, pois se eles deixassem abertas e nós saíssemos à rua gritando por socorro, eles iriam voltar e matar todos nós. Pedimos, é claro, que eles trancassem tudo. Por fim, o líder disse que eles iriam levar o carro, que usariam para ir matar alguém em outro bairro, mas que logo depois iriam abandoná-lo. Hoje já faz exatamente nove meses que isso aconteceu, e até agora nunca recuperamos o carro.

Aguardei um ou dois minutos após eles irem embora e fui procurar o telefone fixo, que encontrei dentro do vaso sanitário do banheiro principal da casa, no qual um deles fez questão de urinar em todos os locais que alcançou. Sem poder ligar para a polícia de imediato, fomos até o portão da garagem chamar algum vizinho (por sorte, os criminosos esqueceram de levar uma das chaves da casa). Assim que avisamos o que acabara de ocorrer, um deles me chamou para irmos de carro diretamente na delegacia do bairro, aonde chegamos em 5 minutos. Lá tive uma prévia das decepções que ainda estavam por vir…

Na recepção havia dois funcionários, um atrás do balcão (acho que era o escrivão) e outro sentado numa cadeira ao lado, lendo jornal. Relatei apressadamente o que havia acontecido, pensando que facilitaria a captura dos criminosos se a polícia agisse o mais rápido possível, mas, quando terminei de falar, o recepcionista simplesmente disse para eu ligar para o 190 e pedir que uma viatura fosse até minha casa (na pressa de ir à delegacia acabei me esquecendo de fazer isso, mas na hora pensei que algum dos vizinhos que apareceram para nos ajudar já havia feito) e, para completar, avisou que não estavam podendo fazer boletins de ocorrência porque, surpreendentemente, o “sistema estava fora do ar” em todas as delegacias da cidade!

Já no carro, voltando para casa, liguei três vezes para o 190 até conseguir ser atendido e explicar novamente o assalto. A viatura só chegou depois de quase 15 minutos – teria dado tempo de assaltarem mais uma vez minha casa antes dos policiais chegarem – e mais uma vez tive que descrever o que aconteceu, dando ênfase, ao final, às características do meu carro roubado. Eles saíram atrás dos bandidos e nós ficamos – eu e minha família – acordados praticamente até o amanhecer, sem conseguir parar de pensar um só segundo naqueles minutos angustiantes. Apenas desejava rever minha namorada, pois o único pensamento que me veio à mente no momento do assalto era sair vivo e poder uma vez mais ficar junto dela.

Pela manhã, eu e meu pai fomos à delegacia do meu bairro mais uma vez para tentar fazer o boletim de ocorrências, mas continuava tudo sem funcionar. Encaminhamo-nos então para a delegacia especializada em roubos e furtos de veículos, no bairro onde fica a sede do DETRAN da minha cidade, e finalmente conseguimos bloquear o carro, o que em teoria facilita o encontro do mesmo. Lá também conseguimos fazer o boletim, mas somente porque o escrivão tinha pegado emprestado um modem 3G do irmão dele, que viria buscar o dispositivo a qualquer momento (ele fazia questão de informar isso a todos que chegavam ao local).

Eu e minha família passamos os dias seguintes bloqueando cartões de débito e crédito e tirando novas vias dos documentos roubados, enquanto ficávamos na expectativa da polícia encontrar o carro. Oito dias após o assalto, soubemos, através de um conhecido nosso que trabalha no serviço de inteligência da polícia civil, de uma quadrilha de traficantes que acabara de ser detida e cujos membros tinham uma descrição e histórico de crimes que levaram a polícia a crer que poderiam ser os bandidos que nos assaltaram (neste link tem uma reportagem sobre eles, inclusive com foto). Fui lá fazer o reconhecimento e achei o líder da gangue (apelidado de “Big Big”, que já possuía três mandados por participação em assaltos e homicídio) muito parecido com o que me abordou na garagem, apesar de eu ter visto o rosto dele muito rapidamente. Isso, somado à reação de um deles ao me ver – começou a cochichar no ouvido do que estava ao seu lado, como se soubesse quem eu era – fez eu ter quase certeza de que alguns deles haviam participado do assalto à minha casa.

Esse episódio que aconteceu provavelmente eu nunca esquecerei, mas ao menos eu estava aliviado que esses criminosos tinham sido capturados. Pensei que era questão de dias que meu carro e alguns dos objetos roubados fossem recuperados, mas me enganei completamente. A polícia nunca mais deu qualquer informação sobre o assunto, mesmo nas várias vezes em que entramos em contato, e fomos forçados a desistir e tentar seguir as nossas vidas da melhor forma possível. Para diminuir o sentimento de insegurança, acabamos nos mudando pouco depois para um condomínio fechado em outro bairro.

Quando já pensava que nunca mais saberia de novidades sobre o ocorrido, eis que vejo essa notícia no dia 15/09: Preso homem acusado de matar comerciante em panificadora. A panificadora mencionada na notícia fica numa avenida bem próxima à minha antiga casa. À parte o crime hediondo que aconteceu lá, o que chamou minha atenção foi a menção do nome de um dos envolvidos, o “Big Big”. Eu tive dificuldade em digerir essa informação, não conseguia acreditar no fato de um acusado de homicídio, traficante de drogas e assaltante que havia sido preso há apenas alguns meses já estava solto novamente e participando de outro crime terrível. Claro que isso não é novidade em nosso país, mas, comum ou não, continua sendo uma situação alarmante. Matar um ser humano já não é um ato suficientemente cruel para manter alguém atrás das grades? Se não for, então nem quero imaginar o que alguém precisa fazer para ser preso aqui…

Peço desculpas pelo texto gigantesco, mas eram muitas as lembranças que estavam me incomodando e achei que precisava expô-las de algum modo para mostrar um exemplo de como está nossa sociedade, em que os crimes a cada dia se tornam mais horrendos e, infelizmente, mais banais e impunes. Somos obrigados a nos esconder em nossas casas, mas nem mesmo lá estamos tão seguros quanto pensamos.

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