Estrada de Cadáveres

Long road

Uma mente transbordando culpa, dentro de um corpo sentado à beira de uma estrada. Sol a pino, carcaças de pequenos animais atropelados no asfalto, tornando-se parte deste conforme as centenas de carros os esmagam. O calor é intenso, queima a pele e desnorteia os pensamentos, mas a dor dentro do ser solitário que vê os carros passando é maior que qualquer queimadura; e por isso ele não move um músculo sequer.

Obriga-se a presenciar aquilo, a sentir aquilo. Não se considera muito diferente daqueles cadáveres esmagados. Asfalto e carne, os mesmo átomos de carbono. Atesta sua insignificância, o vazio em sua alma cresce e o faz duvidar se realmente possui alguma alma. Talvez seja apenas mais um dentre os vários enganos de sua consciência. Seus lábios ressecados começam a rachar; um sorriso insano e coberto de sangue rasga seu rosto.

O último carro passa, a noite chega. O ser se levanta, sua pele ressecada se dilacera com o movimento. Ele caminha lentamente e para no meio da estrada, uma enorme Lua ilumina sua pele escura repleta de ferimentos. As carcaças praticamente sumiram, apenas alguns resquícios de pelos ainda restam no chão. Ajoelha-se e olha para o céu, sente-se o menor dos seres. O sorriso antes insano, agora de desespero. Espera a ajuda de alguém, mas percebe que está só; sempre esteve.

Desolação, desesperança. O ser abaixa o rosto e fita o chão por um longo tempo. A tristeza inicial começa a se metamorfosear em dúvida, a dúvida em aceitação. A noite vai aos poucos curando as feridas, restaurando o corpo desgastado e a mente destruída. O medo da solidão se converte em uma forma de motivação e consolo. As trevas que recobrem o Desconhecido já não assustam, mas sim atiçam a curiosidade, a vontade de compreensão. O ser não é mais o mesmo; é menos do que imaginava, mas muito mais do que era.

Um par de asas surge em suas costas, uma negra e outra branca, rasgando suas vestes. O ser se ergue, completamente nu, e encara o céu mais uma vez, agora com olhar desafiador. Toma impulso e alça voo tão rápido que a estrada logo se torna apenas um ponto distante muito abaixo de si, enquanto a imensidão do espaço o envolve e o absorve. No raiar do novo dia, há uma pele a menos para ser queimada pelo Sol, embora na beira da estrada de cadáveres incontáveis seres permaneçam sentados, com suas mentes inquietas e temerosas, fitando os carros inabaláveis e insensíveis; até que uma nova noite se aproxime, e mais asas voltem a surgir.

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