Vida Pigmentada

Graffiti

Ele fora uma criança normal. Brincara, gargalhara, caíra, chorara, amara, fora amado.

Na adolescência, desbotara um pouco, aos poucos. Começara a perceber realmente o mundo em que vivia. Não era colorido como os desenhos animados, nem tinha cheiro e gosto tão bons quanto os dos bolos que a mãe fazia. Não havia mais gargalhadas sinceras, em tudo havia uma fatia de maldades e segundas intenções. Chegou aos dezoito branco como papel.

Quando adulto, adaptou-se como pôde. Tentou manter seus traços o mais fortes possível, mas percebeu tardiamente que a sua era uma vida de pretéritos imperfeitos. Tentou se colorir, mas a tinta guache saiu com água. Aos trinta, não passava de um rascunho.

Mais alguns anos se passaram. Desistira dos sonhos e da realidade, apenas se deixara levar pelo mar de borrões. Até que um dia chegou à praia, sem fôlego, aos cinquenta. Olhou para si mesmo e percebeu que o mar o havia deixado borrado como tudo o que havia nele, exceto sua cabeça, que sempre mantivera fora d’água mesmo nas piores tempestades.

Com um último esforço, pegou uma borracha que há algum tempo colocara no bolso, sempre adiando o dia em que a usaria. Sem mais pensar, apagou-se. Era agora uma folha em branco — poderia ser tudo o que desejasse.

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